Notícias :: Guerra sem trégua no trânsito - Jornal do Comércio

23/09/2010

Jornal do Comércio
Reportagem: Guerra sem trégua no trânsito
Data: 23 de setembro de 2010

Homens lideram os levantamentos estatísticos sobre desrespeitos às leis

ANA PAULA APRATO/JC

As estatísticas mostram que na ampla maioria dos acidentes de trânsito os condutores são do sexo masculino. Isso se explica, segundo a psicóloga Aurinez Rospide Schmitz, diretora do Ande Bem - Instituto de Psicologia do Trânsito, pelo fato de que para muitos homens o carro, a velocidade e a potência do veículo remetem à sua masculinidade, à sua capacidade. Ou seja, há uma leitura subjetiva de que quanto melhor e mais potente o automóvel, mais bem-sucedido e forte é o seu dono.

Há também casos em que o condutor ao entrar no carro se torna agressivo para compensar seu sentimento de impotência perante situações vivenciadas na vida profissional e até em seu lar.

O anonimato também contribui para que as pessoas extravasem a raiva quando estão dentro de um carro. “O trânsito compõe uma trama diária que nunca será igual no dia seguinte. Os personagens não se conhecem, o que facilita as explosões de temperamento, pois o condutor não sabe com quem está lidando”, afirma Aurinez.

Além disso, como a lentidão e complexidade do trânsito com seu longos engarrafamentos andam na contramão da velocidade em que os negócios se dão, há uma luta contra o tempo que causa inconformidades. “É no trânsito que o homem acaba expondo seu medo de perder espaços. Ele transforma aquele momento em uma luta e, se ceder, ele se sente perdendo coisas. Esse comportamento mostra o quanto estamos no mundo do ganha- ganha”, afirma Aurinez.

O comportamento no trânsito também reflete o momento cada vez mais narcisista em que a sociedade moderna vive. “É o momento do eu tenho que estar em primeiro lugar, eu sou o bom, eu sou o melhor... Todos abram espaço para eu passar”, revela Aurinez. Mas a atitude do condutor também varia conforme as condições emocionais no momento. “Se a pessoa está bem, a cedência não é tão problemática. No entanto,  no outro extremo, se está mal, transforma a estrada num campo de batalha e mostra toda a sua intolerância”, afirma a psicóloga Aurinez.

 

Detran desenvolve trabalho para mudança de comportamento

Mas há como reverter este quadro de batalha no trânsito. Segundo a chefe da divisão de educação para o trânsito do Detran-RS, Laís Silveira, o que precisa é uma mudança na cultura da violência para a paz no trânsito. Isso se conquista com investimento no conhecimento, na informação e no resgate dos valores sociais. Neste sentido, explica Laís, o Detran desenvolve um trabalho focado na sensibilização das pessoas para a mudança de comportamento. O primeiro valor que deve ser resgatado é o da vida, mostrando a responsabilidade que cada um tem, através dos seus atos, para sua preservação. Outro valor importante, segundo Laís, é do pensamento voltado para o coletivo. “É fundamental que a pessoa deixe de pensar só em si, mas sim no todo. O conhecimento sobre o porquê da existência de cada lei também contribui para a educação nas estradas. “Pois muita gente respeita as leis apenas para não ser punido. Mas, o ideal é que ele saiba que a lei tem uma razão. Foi criada por especialistas com base em fundamentos para protegê-lo”, afirma Laís.

Com os olhos voltados para a educação, tanto o Detran quanto o Comando Rodoviário da Brigada Militar (CRBM) investem na formação de multiplicadores para repassar informações sobre atitudes de educação no trânsito. Além disso, são promovidas palestras e oficinas. Além do Programa de Educação no Trânsito (Proet) lançado em junho, e que vai capacitar inicialmente 30 professores para ministrar aulas sobre trânsito, o CRBM também mantém duas escolinhas de trânsito itinerantes para crianças até 8 anos, uma em Passo Fundo e outra em Cachoeira do Sul. O assessor de comunicação do CRBM, Felix Grivot Neto, defende a formação de condutores conscientes desde as séries iniciais. “Seria importante que a segurança no trânsito fosse matéria disciplinar”, afirma Grivot Neto.

Para a psicóloga especialista em trânsito, Aurinez Rospide Schmitz, a solução para a problemática do trânsito é todos pensarem em cumprir seu papel. Os governantes têm de planejar melhor a estrutura e sua concretização, pensando no trânsito como um facilitador do deslocamento de todos. “Algumas obras que interferem na circulação dos veículos poderiam ser feitas à noite, ou em finais de semana. Também deveria haver mais cuidado para que os prazos para conclusão de obras sejam cumpridos”, destaca Aurinez.

A impunidade também favorece os delitos. As fiscalizações e autuações devem se somar à educação para o trânsito, que sozinha não funciona. A prova disso, segundo Aurinez, foi a redução drástica dos acidentes de trânsito nos primeiros meses de vigor da Lei Seca em que as blitze eram mais constantes.



Mais conteúdos de Notícias: